Na sala de aula - "Ai do professor!", Em campo... vale tudo?
07 Fevereiro 2025
Os diferentes níveis de tolerância perante a agressividade

Fevereiro, o mês dos afetos, convida-nos a refletir sobre a forma como nos relacionamos e como ajudamos as crianças e jovens a desenvolverem as suas competências relacionais. No âmbito da Aprendizagem Socioemocional (SEL), estas competências incluem a capacidade de comunicar eficazmente, resolver conflitos de forma construtiva e desenvolver empatia.

A aprendizagem destas competências não se limita às salas de aula. Segundo a estrutura em roda SEL, a aprendizagem socioemocional ocorre em múltiplos contextos nos quais a criança interage: a família, a escola e a comunidade. Para que esta aprendizagem seja bem-sucedida, é essencial que todos os contextos sejam coerentes nos valores e práticas que promovem. É aqui que entram os educadores não formais, como treinadores desportivos, monitores de atividades extracurriculares e outros adultos significativos na vida das crianças.

No entanto, é curioso notar que, enquanto na sala de aula exigimos cada vez mais respeito e uma comunicação assertiva por parte dos professores, noutros contextos educativos, como o desporto por exemplo, continuamos a tolerar discursos de humilhação e agressividade por parte dos treinadores. Porquê esta incoerência?

 

Competências Relacionais e a Comunicação Não Violenta

As competências relacionais englobam um conjunto de habilidades que nos permitem estabelecer relações saudáveis, cooperar com os outros e gerir conflitos de forma positiva. Uma das abordagens mais reconhecidas para desenvolver estas competências é a Comunicação Não Violenta (CNV), um modelo criado por Marshall Rosenberg, que assenta na ideia de que a forma como comunicamos influencia profundamente as nossas relações interpessoais.

A CNV assenta em quatro pilares fundamentais:

  • Observação sem julgamento – Separar os factos das interpretações subjetivas.
  • Identificação dos sentimentos – Reconhecer e expressar emoções sem culpa ou acusação.
  • Reconhecimento das necessidades – Compreender as necessidades subjacentes aos sentimentos.
  • Formulação de pedidos claros e respeitosos – Expressar o que gostaríamos que acontecesse, sem impor ou exigir.

A aprendizagem destas estratégias fortalece as relações interpessoais, reduz conflitos e promove um ambiente mais colaborativo. No entanto, o sucesso da sua implementação depende diretamente do papel dos adultos como modelos de comportamento.

 




O Papel dos Adultos como Modelos

Os adultos desempenham um papel crucial na modelagem de comportamentos. No contexto comunitário, os educadores não formais desempenham um papel essencial. Treinadores desportivos, monitores de atividades extracurriculares e outros adultos com quem as crianças interagem regularmente contribuem significativamente para o desenvolvimento das suas competências socioemocionais, nomeadamente as habilidades relacionais.

Estes adultos servem de referência para crianças e jovens, influenciando a forma como estes lidam com emoções e interagem com os outros.

As crianças e jovens aprendem essencialmente pelo exemplo. Se um professor ou treinador comunica com respeito e empatia, os alunos tendem a reproduzir esse comportamento. Se, pelo contrário, a comunicação for agressiva, é essa abordagem que se normaliza.

Quando os adultos adotam práticas de comunicação respeitosa e incentivam um ambiente de apoio e cooperação, reforçam o desenvolvimento socioemocional das crianças e jovens, ajudando-os a consolidar aprendizagens feitas em casa e na escola.

Nas escolas, os professores são cada vez mais chamados a adotar estratégias de comunicação assertiva e não violenta. Um professor que humilhe ou desrespeite um aluno enfrenta rápidas e sérias repercussões. Os pais são cada vez menos tolerantes, exigem logo explicações sobre qualquer comportamento do professor, que eles considerem menos adequado. E bem! Mas porque é que esta mesma exigência não se aplica a outros contextos educativos, como o desporto?





Desporto e a Normalização da Agressividade

Nos campos e pavilhões, é comum ouvirmos treinadores a gritarem com os atletas, a insultá-los e, muitas vezes, a humilhá-los publicamente (mesmo à frente dos pais). Frases como "Estás a dormir?!", “Com esse peso todo, só podia dar nisso!”, "Não serves para nada!", “És um maricas…” ou "Se continuares assim, não chegas a lado nenhum!", juntamente com uma enxurrada de palavrões, fazem parte do vocabulário de muitos treinadores. Se estas palavras fossem ditas por um professor a um aluno dentro da sala de aula ou na escola, haveria uma queixa imediata por parte dos pais, que no dia seguinte estariam a pedir uma reunião com a Direção da escola (e  até mesmo na comunicação social). Paradoxalmente, no desporto esta atitude é muitas vezes encarada como parte natural da cultura desportiva, sendo tolerada ou até justificada por pais e dirigentes.

Além disso, é importante reconhecer que o comportamento dos próprios pais em contexto desportivo pode também contribuir para esta realidade. Muitos pais, na ânsia de verem os seus filhos vencer, utilizam uma linguagem agressiva e pouco respeitosa, tanto em relação aos adversários como aos próprios filhos e treinadores.

Nos últimos anos, várias entidades desportivas têm promovido iniciativas de educação para a ética no desporto, procurando sensibilizar os pais para a importância de um comportamento adequado nos recintos desportivos. Campanhas e programas educativos destacam a necessidade de criar um ambiente positivo e respeitoso para os jovens atletas. No entanto, um dos principais desafios continua a ser a incoerência entre estas diretrizes e a realidade prática: se, por um lado, se pede aos pais que sejam modelos de fair play e respeito (com enormes cartazes afixados nos recintos desportivos), por outro, muitos treinadores continuam a recorrer a métodos baseados na agressividade e na humilhação, contrariando os princípios que supostamente deveriam reforçar.


    



Porque é que a sociedade continua a aceitar que o desporto seja um espaço de agressividade verbal e emocional?  

Investigadores na área do desporto têm demonstrado que estilos de treino baseados no medo e na humilhação têm consequências negativas para os atletas, incluindo:

  • Aumento da ansiedade e do stress;

  • Redução da autoestima e confiança;

  • Abandono precoce da prática desportiva;

  • Relação conflituosa com a autoridade.


Crianças e jovens que crescem em ambientes onde o desrespeito e a agressividade são aceites como normais podem internalizar estas formas de comunicação, levando-as para outros contextos das suas vidas. Além disso, perpetua-se a ideia de que a autoridade se impõe pelo medo e pela humilhação, em vez de pela liderança positiva e pelo respeito mútuo.

Por outro lado, treinadores que adotam estratégias de comunicação positiva e reforço construtivo promovem um maior envolvimento dos atletas, melhoram o desempenho e fortalecem a relação de confiança com a equipa.

No desporto, os conflitos são inevitáveis, assim como situações de fracasso e frustração. A forma como estas situações são geridas faz toda a diferença. Um treinador que incentiva o diálogo e a empatia, que modela positivamente a capacidade de tolerar a frustração ou de resolver conflitos, ensina valores fundamentais, que se transferem para a vida fora do campo.

Mas apesar deste conhecimento, continuamos a assistir a este tipo de comunicação violenta nos diversos recintos desportivos, mesmo em escalões mais novos. Porquê?

Se exigimos comunicação respeitosa na escola, porque continuamos a permitir a agressividade verbal no desporto? Os treinadores têm um papel crucial na formação socioemocional dos jovens e, tal como os professores, devem ser responsabilizados pela forma como comunicam.

Promover a CNV, a escuta ativa e a resolução positiva de conflitos não são apenas estratégias pedagógicas – são escolhas que influenciam o bem-estar e o desenvolvimento emocional das crianças e jovens. A mudança começa com cada adulto que decide ser um modelo positivo.





Ao modelarem comportamentos respeitosos e empáticos, os treinadores não só contribuem para o bem-estar emocional dos atletas, mas também ensinam habilidades valiosas que estes poderão aplicar em outras áreas das suas vidas. É fundamental que a sociedade reconheça a importância deste papel e exija dos treinadores e de outros educadores não formais os mesmos padrões de comportamento que espera dos professores.

Se queremos verdadeiramente promover a aprendizagem socioemocional, é essencial alargar o foco para além da escola e exigir que todos os adultos envolvidos na educação de crianças e jovens adotem práticas de comunicação não violenta. Treinadores, monitores e outros educadores informais precisam de ser sensibilizados para o impacto das suas palavras e ações, garantindo que a comunidade como um todo contribua para um desenvolvimento saudável e equilibrado.

 

 

Referências Bibliográficas

  • Rosenberg, M. (2003). Nonviolent Communication: A Language of Life. PuddleDancer Press.
  • Weiss, M. R., & Smith, A. L. (2002). "Moral Development in Sport and Physical Activity". Quest, 54(4), 331-349.
  • www.pned.pt

 

 

 

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